Governo Bolsonaro cita Deus para barrar apoio a festival de jazz do Capão

'A Arte é tão singular que pode ser associada ao Criador', diz o documento assinado pela Funarte

O festival de jazz do Capão recebeu sinal vermelho para captar recursos via Lei Rouanet pela gestão Mario Frias, que comanda a Cultura no governo Bolsonaro. O processo foi analisado dentro do âmbito da Fundação Nacional das Artes, a Funarte, num documento carregado de referências religiosas, assinado há cerca de duas semanas.

O parecer desfavorável ao Festival de Jazz do Capão, que está em sua nona edição, começa com a frase “o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”, atribuída a Johann Sebastian Bach.

Nas redes sociais, o Festival de Jazz do Capão, na Chapada Diamantina, postou em 1º de junho de 2020 uma imagem se declarando “antifascista e pela democracia”.

A postagem é apontada pelo parecer como uma das motivações do parecer ter sido negativo.

"Localizamos uma postagem do dia 1º de junho de 2020, com uma imagem, contendo um 'slogan' para 'divulgação', com a denominação de Festival Jazz do Capão, na plataforma Facebook, a qual complementou os fundamentos para emissão deste parecer técnico", afirma o parecer.

Na seção “Sobre a aplicabilidade da lei federal de incentivo à cultura em objeto artístico cultural” do parecer, a primeira frase é “por inspiração do canto gregoriano, a música pode ser vista como uma arte divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus [sic]”.

O parecer é ainda recheado com citações, versos em latim e frases como “A Arte é tão singular que pode ser associada ao Criador”.

A conclusão é que o projeto traria “desvio de objeto, risco à malversação do recurso público incentivado com propositura de indevido uso do mesmo”.

"Enquanto eu for Secretário Especial da Cultura ela será resgatada desse sequestro político/ideológico!", afirmou Mario Frias nas redes sociais.

Segundo Tiago Tao, produtor-executivo do Jazz no Capão, o festival já havia sido aprovado na Rouanet outras vezes, as mais recentes de 2017 a 2019. “Geralmente o parecer tem um teor bem técnico”, afirma Tao, sobre a diferença entre os documentos em anos anteriores e o conteúdo do parecer de 2021, que tem versos de Beethoven, diálogo entre Platão e Glauco, além de menções ao “Criador”.

O parecer é assinado por Ronaldo Gomes, assessor técnico da presidência da Funarte. Uma semana depois, Gomes foi exonerado do cargo.

Fonte: Folha de São Paulo