Povo escolhido para matar? A crueldade de uma guerra sem vencedores

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Entre o martelo de um deus vingativo e a bigorna da política global, a Palestina jaz sangrando, enquanto potências mundiais assistem a toda a barbárie, talvez com um sorriso cúmplice. Que ironia, não? Afinal, estamos falando de ataques vindos de Isarel, de um povo sagrado, incumbido de ocupar territórios alheios com a convicção de que um título divino confere passaporte para a crueldade. É quase poético, na medida em que 'poético' seja a palavra adequada para massacres sistemáticos e humilhações cotidianas, uma violação contínua dos direitos humanos mais básicos e relação ao povo da Palestina.

Os palestinos, com a desvantagem de não serem filhos prediletos da divindade do Antigo Testamento, são perseguidos há décadas com fervor digno de cruzadas. Eles não têm a proteção do Tio Sam, essa entidade imperialista que vê Israel como o primogênito querido do Oriente Médio, o bastião da 'civilização' ocidental num mar de 'bárbaros'. Nesse jogo geopolítico, o apoio dos Estados Unidos é tão sutil quanto um aríete medieval: bilhões de dólares em ajuda militar, vetos diplomáticos, e até uns afagos emocionais via discursos solenes de presidentes. O recado é claro: o mundo é dividido entre os que são escolhidos e os que são dispensáveis.

Mas a crueldade das ações israelenses não é algo sem precedentes na história. Não é de se estranhar que o Primo Levi tenha alertado em sua obra sobre o poder de justificar o injustificável (o assassinato de inocentes): “os monstros existem, mas são muito poucos para serem realmente perigosos. Mais perigosos são os homens comuns, os funcionários prontos a acreditar e a obedecer sem discutir.” Levi, ao refletir sobre o Holocausto, nos lembra que, quando a razão cede à propaganda e o medo justifica o fanatismo, a desumanização é apenas uma questão de burocracia e de tempo.

É irônico que uma nação construída a partir da memória do extermínio e da dor se encontre, agora, agindo como a maquinaria que um dia a aniquilou, perpetuando uma situação que faz lembrar Albert Camus: 'Um homem revoltado é um homem que diz não. Mas, se recusa, é porque deseja uma outra ordem, que ele julga justa'. A política de ocupação e o cerco a Gaza parecem seguir à risca esse pensamento, como se a história não passasse de um ciclo perpétuo de tirania disfarçada de proteção divina.

E os palestinos? Reféns em sua própria terra, tentam sobreviver em um território onde a palavra 'justiça' parece uma piada de mau gosto. Enquanto Israel justifica suas ações sob o véu da segurança, a Palestina grita por liberdade, com pedras nas mãos e lágrimas nos olhos. É sempre importante pontuar que, em uma guerra na qual vidas inocentes são ceifadas todos os dias, nenhum lado é inocente, contudo, ao que parece, há uma distinção entre as tragédias que importam e as que apenas perturbam o noticiário.

Todo o horror que o povo palestino sofre no momento não causa nenhum efeito sobre as grandes potências mundiais, estas seguem caladas e isentas de qualquer atitude significativa em prol dos que estão soba faixa de Gaza, Afinal, quando se tem o apoio incondicional dos poderosos e uma narrativa bíblica bem sedimentada, como é o caso de Israel, é fácil transformar um povo inteiro em um incômodo histórico, relegado ao rodapé dos livros de história.

Essa é a ironia trágica de uma guerra onde ninguém vence, e onde, parafraseando Sartre, 'o inferno são os outros' — especialmente quando esses 'outros' se tornam o reflexo da própria opressão que um dia os povos sionistas sofreram. Entre o delírio de ser o 'povo escolhido' e o espetáculo de uma guerra interminável, Israel e Palestina nos oferecem uma tragédia sem ato final.

*Chal Emedrón, pseudônimo de Carlos Medeiros, licenciado em Letras pela Universidade Federal da Bahia, apaixonado por cultura pop e comportamento humano.